sexta-feira, 16 de abril de 2010

A beleza e seus efeitos colaterais

“Se fosse minha essa rua, o pé de ipê estava vivo…” A canção de Ná Ozzetti e Itamar Assumpção me faz pensar na paisagem das cidades por onde passei. Vilas e metrópoles, tanto faz, todas trazem consigo características peculiares que variam de acordo com seus habitantes e governantes.

De modo geral, as cidades brasileiras apresentam a riqueza da flora nativa e exótica em suas praças e calçadas. Noto que o critério de escolha das espécies arbóreas urbanas passa por um certo modismo que nem sempre é adequado. Veja o caso das tipuanas de São Paulo, plantadas a partir dos anos 1940: são maravilhosas, frondosas, exuberantes, crescem com muita rapidez, mas têm madeira mole e, como as paineiras, estão sujeitas a desabar ao vento, provocando acidentes.

Nas últimas tempestades também pude perceber que muitas das palmeiras imperiais, recentemente mal transplantadas para condomínios de luxo, não suportaram e vieram abaixo. Pudera, se árvore gostasse de sair do lugar teria perna em vez de raiz, o que não é o caso. Será que os paisagistas não percebem que, apesar da beleza imperial das palmeiras, deslocá-las adultas para pequenas covas é quase uma sentença de morte? Não acredito.

É importante que se planeje a arborização urbana, que a escolha das espécies se faça a partir do perfil do espaço a ser ocupado. Calçada requer árvore de médio porte que faça sombra para pedestres e automóveis e, de preferência, não perca as folhas no inverno.

Não sou botânica, mas aprendi o nome das árvores com as quais convivo desde a infância. Sou curiosa, gosto de saber que tudo tem seu tempo: flores e frutos. Às vezes, mudo meu caminho apenas para ver um ou outro espécime florido. Sempre poeta, olhando ao redor e procurando assunto.

Tive a oportunidade de colher mangas no Pará. As mangueiras de lá, centenárias, se espalham pelas calçadas das cidades e alcançam o céu. É impressionante quando estão carregadas e seus frutos começam a cair aqui e acolá – é preciso ter cuidado com a cabeça. Nada é mais natural que colher uma fruta no pé.

Jambeiro, para mim, é também uma descoberta recente. Pisar o tapete rosa de flores inimagináveis que cobrem a praça da cidadela, e um mês depois comer suas frutas. Assim, o ser que dá a sombra e o frescor ao meio-dia é aquele que enfeita o outono e nos alimenta no inverno. Fruta nativa.

Muita gente pensa que cambuci é nome de um bairro em São Paulo, só que, antes de ser bairro, cambuci dá nome a uma fruta pouco conhecida. Parece um disco voador gordinho de mais ou menos sete centímetros, verde por dentro e por fora, azedo como ele só. Fruta rica em vitamina C, garante um suco excelente. Pode ser congelada in natura e consumida durante todo o ano em forma de refresco, mousse ou sorbet.

Assim, muitas outras frutas poderiam estar espalhadas por todas as cidades brasileiras, de acordo com cada região, proporcionando aos moradores o usufruto do espaço coletivo para uma alimentação natural, por que não? Já pensou nisso?

Imagine que as praças e calçadas poderiam se transformar em pomares urbanos. Sei que já existem algumas iniciativas neste sentido e que devemos multiplicá-las. Devemos ampliar nosso conhecimento sobre a vegetação para recuperar o sabor do suco da uvaia, para valorizar a riqueza infinita da nossa flora, para alimentar crianças e passarinhos.

É certo que nem toda fruta é adequada. Algumas podem fazer estragos, por isso é importante ter bom senso. Jaca, manga, abacate e mesmo as pequenas amoras podem trazer inconvenientes. Acontece que o universo das frutíferas é enorme e pode ser muito bem aproveitado para transformar a paisagem das nossas cidades.

Grumixama, pitanga, sapoti, siriguela, carambola, acerola, caju, goiaba, jabuticaba. Umas mais, outras menos conhecidas, essas espécies são somente uma pequena parcela do que deveria compor a paisagem urbana brasileira. Pensar nelas como um complemento vitamínico gratuito para a população. Pensar nelas como uma forma de democratizar o espaço público e garantir a biodiversidade.

Então fica aqui a sugestão para que se pense o paisagismo urbano de olho no futuro, com o aproveitamento das espécies frutíferas, principalmente as nativas. Para lembrar que é fundamental garantir ao cidadão espaços verdes bem cuidados. Para cobrar uma política pública voltada a proporcionar cada vez mais áreas verdes, transformando a paisagem metropolitana em um enorme pomar.

Imagino, na lua cheia de outono, as ruas de minha cidade perfumadas de flor de laranjeira. Não há no mundo perfume que se compare. Adoro o pé de ponkan da casa vizinha. Além de frutas, maritacas! Adoro ver as crianças comendo pitangas e goiabas na praça. Debaixo do piso de concreto a terra continua, viva.

Carol Ribeiro, colunista do site yahoo

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